quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Princípio de Publicação

Transcrevo aqui o breve ensaio que tive o prazer de ver publicado na Revista Soletras, Outrubro-2016, ano III, 34a edição, uma revista de Moçambique dedicada às letras, com o projeto de divulgação da literatura lusófona, em especial a moçambicana. No entanto, aceita textos de colaboradores de outros países. É uma revista muito interessante, cujo projeto vale muito a pena conhecer!

***


Este pequeno texto que escrevo hoje, em setembro de 2016, nasceu em meados de 2009. Passo agora para a palavra escrita o que tenho repetido ao longo dos últimos sete anos como um “princípio de publicação”. Tenho explicado que parte dos textos que publicam – uma parte cada vez maior com o passar do tempo; não por alteração na produção, mas no julgamento – parte deles não me agrada. Entretanto, mesmo os que desde o início não me satisfaziam o gosto, tive o gosto de publicá-los. Tal atitude, que nomeei agora como “princípio de publicação”, ao mesmo tempo em que se baseia sobre eles, expressa os posicionamentos que tentarei esclarecer brevemente.

Primeiramente, tal atitude é um reconhecimento do caráter subjetivo e íntimo do julgamento estético. Isso não quer dizer que o julgamento estético seja isento de influências externas. O belo e o feio são ensinados e aprendidos, bem como o apreciar o belo e desgostar do feio. No entanto, esse ensinamento, como todo processo, implícito ou explícito, de educação, ele não elimina o sujeito que aprende. Ou seja, o ensinado não é passado e absorvido 100%. Ele é questionado, ainda que em silêncio, é recusado, adaptado à subjetividade do indivíduo que o experiencia, de modo que o aprendizado é sempre criativo e o reproduzido é também produção. A transmissão é uma fluidez não só em seu caráter de fluido como no seu fluir, sendo sempre outro, ainda que pareça correr entre as mesmas margens. Justamente em razão dessa fluidez, desse aprender, criar e suas subjetividades é que não cabe a mim ser o juiz do que é bom e apreciável, do que é digno de ser lido devido ao valor estético ou não. Ainda que um texto não me pareça bom, não tenho porque privar os demais de julgar por si mesmos – e mesmo criar outro texto ao interpretarem as palavras que escrevi. Ciente de não ser o padrão a ser seguido, cujos julgamentos são infalíveis e inquestionáveis, publico e assim não privo do prazer de alguém de se identificar com algo apenas porque eu não gosto. A apreciação estética é também um processo identificação. Como cada indivíduo é tão múltiplo em seus processos identificatórios, não posso partir dos meus para concluir os dos outros. Hoje não sou mais o mesmo que os escreveu. Porém, em algum momento alguma identificação ocorreu entre mim e o texto, identificação que me os permitiu escrever; identificação a qual pode ocorrer em outrem.

A ciência da falibilidade e questionabilidade, além da volatilidade, de meus posicionamentos – individuais, subjetivos e íntimos, mas localizados no mundo, no tempo, no espaço e na história – são outro aspecto do princípio de publicação. Meus julgamentos de hoje não são os mesmos de ontem nem de amanhã – nem eu sou o mesmo. Devido a essas constantes alterações, apesar da atribuída mesmidade – a qual, diga-se de passagem, tem muita utilidade – o julgamento se altera e o bom e o ruim trocam de posição incessantemente de acordo com o indivíduo e seu momento, com a sociedade e seu momento, com a alteração das possibilidades de identificação. Sendo assim, a história me absolvera; me condenará, me esquecerá, me desconhecerá, me reconhecerá e tudo isso ao mesmo tempo. Não é o meu julgamento presente que definirá o valor possível de algo para todos e para todo o sempre – ainda que meu julgamento presente seja um julgamento e tenha um juízo; ele, todavia, busca estar ciente do sujeito que fala, de onde, quando, porque, para que etc.

Além disso, uma obra nunca está pronta. A ela sempre falta algo. Este faltar proporciona ao autor o eterno desejo de melhorar. O faltar é também aquilo que sobra e falta ser retirado, mas que ao ser retirado, sobra nele uma parte que deveria ter ficado lá. A obra acabada é uma amputação de sua ligação com incontáveis outros pensamentos, desejos, sentimentos etc. Ao se limitar a publicar o que se tem certeza da qualidade e do juízo merecido, trata-se ou de ingenuidade de crer ser a sua perspectiva a perspectiva total do mundo, a-temporal, a-histórica, aliada à ingenuidade de crer que – ainda que uma tal perspectiva fosse possível – que (todos os) outros estariam nessa mesma posição. Ou trata-se dessa ingenuidade, ou é não publicação, ou é incerteza.

Por fim, esse princípio é um ataque-aposta à imagem de perfeição, ao ideal do bom escritor, poeta etc. como coisa concreta, como ser real e existente. Essa sacralização do poeta, do escritor, do filósofo contribui para a redução dos escritores, poetas, filósofos, como se “neles” não houvesse texto “ruim”, não houvesse frivolidade, erro, insucesso, transformação… tanto dele durante ‘seu’ tempo – ou seja, o poeta não é o mesmo que ele mesmo – tanto no decorrer do tempo como história. O Fernando Pessoa, o Castro Alves, o Machado de Assis etc. que lemos hoje não são os mesmos que foram lidos há 100 anos. A representação dos indivíduos que escreveram, o significado que assumem, o que dizem são hoje outros e também o serão amanhã. O princípio de publicação consiste em desnudar a sacralização e expôr o processo de transformação, a origem feia do belo e a origem bela do feio, além das multiplicidades identificatórias de um indivíduo dividido entre um sem-número de si mesmos e a in-identificação das identidades que assume. Eis o ataque. A aposta é de ser eu capaz de com minha vida e textos demonstrar esse princípio sem deixar de ser eu e me transformando nele; apostando ainda que este pequeno esclarecimento, bem como a produção que dá sentido a ele, poderão alcançar olhos e ouvidos; e não apenas hoje, como constantemente, levando consigo em seu fluir, parte das terras que o margeiam, das árvores que suas águas alimentam, das pedras no meio do caminho, continuamente desaguando no seu desaparecimento.

13-09-16

domingo, 12 de julho de 2015

De Porta em Porta



Atrás desta porta que fecho,
que se fecha atrás de mim,
guardarei muitos dos melhores momentos
que a vida comporta.

Mas eis que é necessário cerrar
pois que a forte corrente de ar
poderia vir a lançar ao chão
tudo que enfeita as prateleiras
desse quarto passado ante a partida.

Do lado de fora o corredor
com tantas portas e quartos
me observa o peso do peito,
o difícil respirar e os passos titubeantes.

Mas ao fim dessas paredes velhas
que me estreitamo caminho e me apoiam
há outra porta, cujo vidro só me permite
ver as cores sem formas do outro lado.

Então o espaço opressivo desta caixa de metal
agride-me mais que de costume
ao me reportar a mim mesmo
em sua superfície objetiva e reluzente.

Enfim, quando consigo abrir
a pesada porta da saída de emergência,
e tal qual navio sem bússola
que não sabe onde está porém necessita atracar,
aporto no mundo ousadamente real
no qual os pássaros cantam,
a cidade corre sem se importar
e a vida segue,
mesmo que hoje o sol tenha esquecido de brilhar,
apesar de mim.

sábado, 13 de junho de 2015

O que mais quero


Quero o vazio, a escuridão e a solidão.
O vazio é o espaço onde se pode criar,
A escuridão é o que há por desvendar
E a solidão é o contato consigo.

Quero a tempestade que alaga
E me faz duvidar da segurança do chão em que piso.
Quero a neblina que me traz o horizonte para perto
E me obriga a redescobrir o que eu já sabia.

Quero a angústia que me mergulha na incerteza
Tanto sobre o seguir, quanto o ficar ou voltar.
Quero o desespero, sem o qual
Não posso cometer a loucura de decidir.

Quero ter o prazer de sentir dor
Sem a qual não saberia quando estou bem.
Quero me afogar nas profundezas da tristeza
Para poder saborear toda a felicidade.

Quero a morte, confirmação do privilégio de ter vida,
A qual quero, em última instância, em toda a sua intensidade.

sábado, 6 de junho de 2015

O sentimento dos sentimentos


A realização de todos os desejos

seria a constatação da morte da vida.

Toda satisfação seria aquele beijo

que vem a selar do seguir a despedida.



A comunhão entre aquilo que já há passado,

o que se faz presente e o que se quer futuro

é o concerto entre o dado, o fardo e o fado;

o alegre e a saudade, o deleite e o duro.



Esse instante e estado no qual coexistem

sonho e júbilo, dores e aflições

onde as três ilusões do tempo não insistem



Em diferenciar-se na atualidade

onde se inspira, inspira e expira as sensações

não obstante as agruras do vir e porvir



É a felicidade.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Entrevista concedida à Assessoria de Comunicação do meu local de trabalho

- Como surgiu o interesse pela atividade ?

A poética parece-me desenvolver-se junto com a própria existência, de modo que fica difícil saber se há o surgimento de um interesse tanto por ela em si quanto pela atividade dela, ou seja, pela tentativa de exercício de expressão da poética que transita, se desenvolve, se esconde e se desvela dentro do ser. De qualquer forma, não é um interesse constante, no sentido de não ser algo em que eu me foco o tempo todo. Entretanto, a poesia se faz presente e influencia todos os aspectos da vida. O surgimento da tentativa poética da expressão em palavras creio se dar quando as palavras não davam mais conta de expressar o que deveriam. Os pensamentos, as sensações, os sentimentos, as percepções não aceitam mais se encaixar na prisão das palavras, na linguagem do cotidiano e se transformam em frases por vezes ambíguas, fugidias ou mesmo obscuras, mas que apenas assim deixam transparecer e clarear os mesmos pensamentos, sensações, sentimentos e percepções. Dessa inadequação das palavras, dessa incapacidade de se expressar por elas é que parece surgir a atividade poética.

- Algum familiar com o mesmo talento?

Às vezes os talentos permanecem como possibilidade até o termo da vida. Não sei se há algum familiar com o mesmo talento, se é que há talento nisso. Talvez tenham nascido, vivido e morrido centenas sem que seus talentos jamais fossem descobertos. Aliás, talvez não. Com certeza. Não sei se na minha família, mas com certeza a maioria dos talentos passa pela vida sem que possamos desfrutar deles, infelizmente. Então, não sei.

- Quanto tempo se dedica a essa atividade ?

Bom, como expliquei há pouco, é uma atividade constante e incessante, podendo ser mais forte ou mais fraca. Assim, eu poderia dizer que dedico todo o tempo do mundo a ela. Por outro lado, não dedico qualquer tempo, pois entendo que não pode ser programado um tempo no qual a atividade poética deva acontecer. Ela é livre, por isso desobediente. Ela se apresenta quando quer. Cabe conseguir aproveitar o lampejo em que se a vislumbra e descrever esse indescritível contato. Além disso, ela é tímida. Não se apresenta quando se sente malquista ou estar em um ambiente opressor. É uma atividade que é em grande medida sufocada pelo cativeiro das atividades cotidianas, principalmente pelo controle, pela vigilância e pelas exigências dos ponteiros dos relógios. Em compensação, todo esse sofrimento pela qual a poética passa, é guardada como energia potencial até o instante de explosão transformadora que é capaz de alterar inclusive o mundo e a representação dele.

- Fale um pouco dos obstáculos e/ou conflitos q enfrenta/enfrentou para se dedicar a essa atividade. Como fez/faz para ultrapassá-los?

Acabei me antecipando um pouco e já citei os obstáculos. Grande dificuldade além das citadas seria referente não à atividade, mas à ampliação do alcance da produção. Julgo como um problema inclusive na liberdade de expressão. Felizmente, meu último livro, Livro de Um Desconhecido – o qual é composto de contos, enquanto os três primeiros eram de poemas – conseguiu alcançar as prateleiras de Brasil e Portugal. Mas, o que se precisa pensar é que expressar é dar algo a entender a alguém, manifestar algo a alguém, revelar algo a alguém, explicar-se a alguém. O direito de se expressar, a liberdade para se expressar somente se pode concretizar plenamente quando há contato entre o emitente e o destinatário. A liberdade de manifestação do pensamento não se restringe, pois, a simplesmente poder dizer o que se pensa. Não há liberdade de expressão se as palavras não encontram os destinatários, e essa plena liberdade se faz pela igualdade de possibilidade de alcance, de disponibilidade de meios. Não é liberdade de manifestação se não se dispõe de iguais meios para propagação do pensamento. A ausência dos meios que permitem a divulgação das ideias impede uma verdadeira liberdade de expressão e manifestação, na medida que aquele que se manifesta e se expressa espera encontrar a atenção daquele que se interessa pela mesma questão de forma a, com isso, pela explanação e debate, construir algo comum.


 - De que forma essa atividade contribui para seu desenvolvimento pessoal e profissional? 

E atividade não encontra grandes espaços para seu desenvolvimento no árido ambiente da impessoalidade das determinações dos escritórios. Essa ausência de pessoa é negação do agente, muito embora ele ainda esteja presente, mas se vê não responsável pelas suas próprias ações, é objetificado. Ali onde o agente é negado ou ocultado, a subjetividade, a manifestação do ser não encontra espaços adequados para construir sua morada. A contribuição poética é demasiado sujeito, agente; é velar-se e desvelar-se, com isso, constante movimento, o qual não se constrói na rigidez que conserva. A criatividade é questionadora, transgressora, inconveniente, inadequada, imoral, ilegal e engorda. Em outras palavras, a criatividade é a negação dos padrões e sua construção a partir de si mesmo. É inegável que não há poética sem criatividade. Assim, quanto menos constrangido por formalidades, mais essa atividade contribui para o desenvolvimento profissional.

 - Uma personalidade?

Uma personalidade? Fleumático-Melancólico. Não tenho grande apreço por personalidades, sendo afeto a ideias. Mas, já que se pergunta também uma frase, vou mencionar o autor da frase que é interessante para a nossa reflexão, já que estamos no serviço público. Podemos a partir dela também pensar a poesia e a criatividade na medida transgressora que expliquei ver na poética em sua essência: Mikhail Bakunin. Com ela em mente, fica muito mais fácil identificar e trilhar os caminhos da liberdade.

- Uma frase?


"Tudo o que serve é bom, tudo o que é contrário a seus interesses é declarado criminoso, tal é a moral do Estado."

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Havia esquecido

Ontem me lembrei do meu blog. Há algum tempo o criei. Pouco depois o divulguei e postei uma série de coisas, incluindo todos os poemas que estão nos meus livros e outros textos em prosa, os quais alguns estão nos meus livros e outros não. Estão apenas aqui no blog. Outros textos, em compensação, não estão nem nos livros nem nos blogs e ficaram por aí, perdidos no Facebook ou sem indicar meu nome.

O que me chamou atenção quando eu me lembrei do meu blog foi que a última postagem data de 22 de maio de 2013. Duas semanas depois, os protestos contra os aumentos das passagens dos transportes coletivos cresciam e, tanto aumentava a repressão policial por medo daquele crescimento, tanto maiores eram os protestos e novas demandas surgiam.  Até que no dia 20 de junho um milhão de pessoas tomou a Av. Presidente Vargas no Rio de Janeiro e a policial massacrou os manifestantes com blindados, bombas, cacetadas, balas de borracha, inclusive dentro de hospitais. Ali nasceu uma polícia em reprimir protestos e essas cenas passariam a fazer parte do cotidiano brasileiro. Ao mesmo tempo, surgiram diversas outras organizações da população para lutar por uma mudança radical na sociedade no sentido de se libertar da opressão que constitui o cotidiano do povo.

Hoje, mais de 70 coletivos são investigados pela polícia política, que não tem oficialmente este nome, mas não deixe de ser, pois se esforça em combater a crítica e os protestos de rua enquanto os índices de criminalidade aumentam na cidade, apesar da militarização das favelas, e as bilionárias vigas da perimetral, apesar de imensas e das dezenas ou centenas milhares de câmeras espalhadas pela cidade, nenhuma gravou a fuga delas. Aliás, filmar, fotografar, registrar, etc. de nada serve, pois é incontável a quantidade de abusos cometidos por policiais dentro e fora das manifestações ao longo do último ano, entretanto nenhum policial foi considerado culpado por elas. Foram tiros de munição letal disparados diversas vezes, registrados em diversas imagens, ferindo manifestantes; foram flagrantes forjados, foram postagens no Facebook se vangloriando de agredir manifestantes, foram objetos arremessados do alto da Câmara dos Vereadores do Rio, foram manifestantes e jornalistas agredidos, câmeras roubadas, prisões arbitrárias sob o manto do famigerado “desacato”, que engloba qualquer espirro não autorizado, foram mortes, sequestros, torturas, estupros ocultação de cadáveres, arrastamento de pessoa por asfalto, assassinato em manifestação de moradores de favelas, todos cometidos por policiais, registrados. Entretanto os casos não resultaram em nada contra os policiais. Aliás, o caso do capitão da PM-DF resume bem a história. Ao ser perguntado por que atacou os jornalistas com spray de pimenta, o policial respondeu “Por que eu quis! Pode ir lá denunciar!” Essa frase resume toda a história, explica completamente como funciona a sociedade brasileira e seu autoritarismo. Algum tempo depois, coroou-se a história para deixar ainda mais claro o que acontece. O policial foi absolvido.

Hoje é só convocar uma manifestação que aparecem centenas ou milhares de policiais, normalmente em número maior que o de manifestantes, são efetuadas dezenas de revistas aleatórias onde até bateria de celular na mochila é motivo para detenção. Surgem dezenas de motos, diversas viaturas e uns pares de ônibus para trazer policiais ao local e levar embora manifestantes. Nesse terrorismo do Estado onde participar de um protesto pode levar a graves ferimentos e se organizar politica ou socialmente pode ser enquadrado como organização criminosa, os protestos diminuíram de tamanho, pois a população ficou com medo de participar. Era o que o Estado queria. A CPI dos Ônibus não saiu do papel, o Governador passeava de helicóptero e nada aconteceu, a linha 4 do metrô teve seu traçado alterado para estender a linha 1 e continuar sem licitação, as vigas continuam desaparecidas, as mídias não pagam os milhões que devem, no local das casas demolidas restaram os entulhos e nada foi construído no lugar, as milhares de pessoas removidas foram parar bem longe do centro, ou ficarão tão próximas que ocupam as ruas, fazendo-as de moradia... mas o lucro dos bancos continua crescendo.

Agora vêm as eleições. Eleições de pessoas. Pessoas-mercadoria. Rostos acompanhados de números. E chamam isso de festa da democracia. Ou será festa dos bancos e dos megaempresários? Segundo jornal gratuito, as campanhas eleitorais custam três vezes mais que a Copa. Sinal de que dá lucro. Mas, para quem? Realmente governarão para a população? As empresas não doam para campanha, investem em suas expectativas de lucro.

Esses são apenas alguns exemplos do que encontramos por aí. Imerso nisso tudo fica difícil sobrar tempo para escrever poesia, infelizmente. Aliás, tinha me esquecido até mesmo do meu livro. Pouco após seu lançamento veio toda essa história (que não é nova, mas se tornou muito mais intensa) e acabei nem o divulgando tanto. Algumas postagens ali para baixo tem mais informações do “Livro de Um Desconhecido”.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

25 de abril de 2013

Por mais que seja sempre distante de nós,
Nas raras vezes que nos faz uma visita
Assola-nos, sobretudo quando a sós,
E despeja de todas a dor e a desdita.

Ao fazer-se rumar de presente a pretérito
Se perpetuará presente na memória
A carregar dos ensinamentos o mérito
Legados a nossa particular história.

Neste passamento que não passa, mas fica;
Que livra da vida pra liberdade alguma;
Que um imediato desalento fabrica;

No qual simplesmente apenas não se é mais,
Será sua existência da alegria a suma
Pois que bem sempre fez. Que você reste em paz.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A Outra História do Paraíso


Há quem diga que homossexualidade é condenável, que a Bíblia diz que Deus falou que era reprovável. A bíblia foi escrita em um contexto histórico machista e homofóbico, onde tudo que lembrava o feminino era inferiorizado.  Naquele momento direitos humanos não era conhecido. Inclusive a própria noção de humano como algo universal. Os conceitos eram diferentes. Essas concepções que nos são tão arraigadas e vistas como inerentes à própria existência, são modernas, o que é um bom sinal. Mas, e se a Bíblia tivesse sido escrita em outro contexto? As representações de santos, anjos, jesus, são europeias. E se tivessem sido feitas na África? Seriam todos brancos e loiros? Como seria a história da criação do mundo e do ser humano?

"Divertiam-se e começaram a, distraídos,moldar o nada com as formas e cores que lhes enchia o coração naquele momento deslumbrante de pureza da alma. Desenharam um vasto gramado onde pudessem se deitar e árvores para que se recostassem, formando maravilhosos bosques, lagos de águas azuis, verdes, negras, todas transparentes, cristalinas como o prazer verdadeiro que os elevava naquele entretenimento pueril. Juntos  coloriam também os campos com flores vermelhas, laranjas, amarelas, verdes, azuis e roxas bem como, da respiração enlevante que lhes enchia o peito, ergueram montanhas para que se refletissem sobre as águas. 
Foi então que, ao admirar o espelho das águas dos lagos, rodeados por aquela paisagem paradisíaca, não puderam mais dissimular, fingir ou negar a si mesmo ou ao outro o motivo daqueles instantes de desligamento dos diálogos e simples admiração mútua sem palavras.Amavam-se. E com isso, amaram-se.

Como mágica,fruto do inocente amor sem conceitos, inteiro, sem regras ou determinações,fantasticamente real e
sublime, dos espaços ainda de nada brotaram seres angelicais cujos sons emitidos soavam-lhes como cântico da mais admirável melodia que jamais pudera ser reproduzida, a qual reverberava suave em celebração à conjunção feérica dos dois. Deus fez-se todo amor e uma luz irrompeu do horizonte a iluminar o casal que se tornava apenas um e Deus disse: – Faça-se a luz! Faça-se a luz para iluminar o sentimento que me aflora por todos os poros, para que qualquer um possa ver e compreender que é no amor que mora toda a felicidade, amor que toma conta de mim e posso amar absolutamente todos, pois – parou um pouco, respirou profundo e prosseguiu orgulhoso – Eu sou Amor!

Ao som indescritivelmente criador que carregavam estas palavras francas, sinceras, o casal se abraçou e 
furtivamente correram-lhes dos olhos lágrimas de vida e escorreram-lhes pelas maças dos rostos até estacionarem nos sorrisos que irradiavam seus lábios. Um com os polegares suavemente colocados abaixo dos olhos do outro, as pontas dos outros dedos a acariciar o rosto e as orelhas, fizeram, sem querer, com que as gotas das lágrimas de felicidade se encontrassem.Daí, da união de dois infinitos, da comunhão das almas divinas naquelas lágrimas a formar uma só, embebida em vida pura, gotejou à relva e por vontade própria afastou-se um tanto para poder desenvolver a nova mágica. Daquela gota que corria pela grama e se expandia suavemente
e como balé se abria dela mesma, nascia Ivo, alto, forte, robusto, de tez negra como Deus e olhos brilhantes e vivos como Lúcifer. Em sua pele refletiam as gotas de lágrima que ainda repousavam sobre seu corpo."

Trecho de "A Outra História do Paraíso" in:Livro de Um Desconhecido.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Notícias do Livro de Um Desconhecido


Aos poucos cresce a divulgação do Livro de Um Desconhecido em diversos meios. Recentemente breve resenha foi publicada no JEN - Jornal de Empresas & Negócios:

http://www.jornalempresasenegocios.com.br/pagina_14_ed_2395.pdf

http://www.jornalempresasenegocios.com.br/livros_revista.html


"Diego Mileli – Chiado – Contos ficcionais para todos os níveis e sabores. Eróticos; perniciosos; históricos, até um sacrílego, todos com um perfil deliciosamente irreverente, todavia, honestos. Há
uma aura de alfinetada social, donde nada escapa à arguta e ágil pena do autor. Textos lancinantes, com certeza, trarão momentos de prazer reflexivo."

O livro está disponível em diversas livrarias no Brasil, segundo a Editora Chiado de Portugal, mas as distribuidoras não passam lista das livrarias. Online, como já anunciado, pode ser encontrado no site da Saraiva, Siciliano e Só livros (ainda não o cadastraram, mas será em breve). Abaixo lista informada pela editora dos locais físicos que disponibilizam o livro.


Rio de Janeiro (São Pedro da Aldeira): Livraria Sabor & Saber
Paraná: Distribuidora Livraria do Chain
RUA GENERAL CARNEIRO, 441 CEP 80.060-150. CURITIBA PARANÁ

Goiás, Goiânia: Livraria Didáctica - Setor Central
Rua 4, 789 - Setor Central, Goiânia - GO, CEP 74020-060, Goiânia, Goiás


Em Portugal a lista está em postagem anterior deste blog. Acesse e confira o local mais próximo.

domingo, 5 de maio de 2013

Rio: capital da bicicleta


Sei que esse blog é literário, mas, outra questão tem me incomodado recentemente. Poderia escrever na forma de crônica, como de costume, mas, opto agora por um arrazoado. 


Se tem propalado constantemente na mídia, depois dos atropelamentos de ciclistas, que o Rio de Janeiro tem mais de 300km de ciclovias. O Copenhagenize considera o Rio de Janeiro como a 12ª cidade mais "bike friendly" do mundo, ou seja, mais amistosa para ciclistas e o uso da bicicleta. Será que a opinião de especialistas estrangeiros é capaz de desfazer a realidade e conhecimento construídos pela experiência cotidiana? Os critérios utilizados para dizer que o rio é tão amistosa às bicicletas está no link. Leia e avalie você mesmo. 


Olhando o mapa cicloviário do Rio de Janeiro, a situação parece bem melhor do que é. Muitas "ciclocalçadas" são chamadas de ciclovia. Aparecem ligação que na prática não existe como a da praia de Botafogo à Lagoa, que para sair da ciclovia da orla naquela direção, há que se descer da bicicleta, descer a escada, passar por uma passagem subterrânea, que pode estar alagada, seguir por uma ciclovia de terra batida (sic) - não acredita? veja pelo google street view - e depois pegar essas ciclocalçadas. Há também problemas de iluminação como no túnel de Botafogo ao Leme, cuja iluminação da ciclovia depende da posição do sol, já que as luzes são exclusivamente pensadas para a via de automóveis, fora o risco de assaltos. http://oglobo.globo.com/zona-sul/um-velho-problema-no-tunel-novo-6662772

Quando se retira espaço do pedestre para ciclovia, me parece não incentivar a bicicleta como alternativa ao uso de carro/ônibus, etc. mas como alternativa ao passeio a pé, tão saudável e ecologicamente correto. O ciclista tem de desviar do pedestre, o pedestre do ciclista, pessoas param para conversar na ciclovia (ou seria na calçada?). Isso sem falar que há buracos, desníveis de terrenos, etc.

Vale lembrar ainda que as ciclocalçadas são tinta vermelha no passeio de pedestres. Daqui a três ou quatro anos é capaz de essa tinta se apagar - não sei a durabilidade dela - e o rio perder centenas de quilômetros de "ciclovias".

As ciclofaixas são interessantes. Eu preferiria que em vez de separadas por olho de gato fossem separadas por meio-fio. Elas também tem um problema encontrada nas ciclocalçadas. Ziguezagueam. Uma hora se está na faixa da esquerda, noutra na direita, a cciclofaixa sobe a calçada, passa por trás de ponto de ônibus e volta para a rua. Por falar em ziguezague, naquela ciclocalçada-terrabatida-escada de botafogo, a "ciclovia" segue ainda pela rua e termina de repente, pois se deveria ter seguido pelo cruzamento metros antes, atravessado a rua e tomado outra ciclocalçada. Mas isso não tem uma sinalização eficiente.

Mas, existem ciclofaixas e ciclofaixas. Espantei-me ao ver a da Ilha do Governador. Li na manchete do jornal que o ônibus avançava em cima da ciclovia da praia da Bica. Procurei, procurei até entender que o borrão vermelho que parece ter no máximo uns 70 cm era a tal ciclofaixa de lá, apesar de ser recomendável 1,5 m para a segurança de uma ciclofaixa. Para não usar a imagem de um jornal, utilizo a do blog: http://www.caoquefuma.com/2013/03/pintando-ciclovias.html (foto abaixo). Em Pelotas vi isso a primeira vez. Achei tenebroso e pensei: "Ufa, ainda bem que não preciso usar essas no Rio." Até porque o trânsito lá é muito menos agressivo que o do Rio. 

Existem outras ciclocalçadas na zona oeste, mas por lá não conheço porque não consigo chegar de bicicleta nesses lugares. Porém, visitei pelo google street view e vi que são também tinta vermelha na calçada. Resta saber quanto tempo duram, volto a repetir. Essas ciclocalçadas às vezes ocupam a calçada inteira, como no Jardim Botânico, por exemplo (http://oglobo.globo.com/zona-sul/uma-ciclovia-estreita-demais-para-todo-mundo-3650863). Na Ciclocalçada Botafogo-Praia Vermelha, há um trecho, da praia de Botafogo até pegar a pista do meio em que o problema se repete. Não há calçada, só calçadovia ou ciclocalçada. Depois do posto de gasolina de um lado é um sentido, do outro o contrário e no meio árvores, espaço onde o pedestre se esconde quando vem uma bicicleta. Temos outras ciclovias contando quilômetros por aí. As da floresta da Tijuca - que não tem nem, por mais que se esforce, como alguém dizer que são para transporte - as no entorno do Maracanã, a do entorno do Engenhão...  Aliás, essas são praticamente as únicas da Zona Norte, região da cidade que tem o tamanho de uma cidade inteira.

Você, carioca, consegue usar ciclovias no seu dia-a-dia? Serve de transporte para o trabalho, faculdade, para visitar amigos, ir ao supermercado ou só consegue usá-las aos finais de semana? Quantos quilômetros são da sua casa para o trabalho? Daria para fazer de bike (ou você faz pelo meio da rua)? Esses tantos quilômetros de ciclovia realmente são para transporte? Por que estão na secretaria de meio ambiente? Você pode pedalar até a estação de trem, entrar com sua bike no vagão de bicicletas e ao desembarcar continuar o resto do trajeto de bicicleta (com ou sem segurança)? Aliás, se tivesse vagão de bicicletas no metro, o ciclista não conseguiria entrar porque as composições vem tão entupidas de gente que a finalidade seria revertida para desafogar os vagões de uma malha metroviária que ficou abandonada por anos (década) e cuja expansão insiste no erro de uma única linha, por mais que tenha números diferentes (1, 2 e 4 - sic).

Sem poder integrar a bicicleta ao transporte de massas ferroviário, sem ciclovias na zona norte, com as existentes na cidade inteira apresentando essas características mencionadas acima, sem a maior parte da população poder utilizá-las no trajeto do dia a dia, sem ciclovias no centro da cidade, com uma política de retirar espaço dos pedestres, transformando as bicicletas em alternativa à caminhada e não ao carro, é o Rio de Janeiro mesmo "bike friendly"?

Bem, ao andar pela cidade com certeza algumas vezes algum motorista já jogou o veículo para cima de você como para "dar uma lição", já teve de parar para não ser atropelado por um ônibus, desviar de corredores e transeuntes nas ciclovias (de lazer) da orla/pontos turísticos. Qual avaliação você faz do uso de bicicleta no Rio? É amistoso? As ciclovias atendem o uso diário? O trânsito é tranquilo? Que dá para usar, dá, mas existe mesmo incentivo e estimulo com segurança para quem optar pelas pedaladas?

Deixo umas sugestões.

1) Uma ciclovia beirando a linha do trem. No Ramal Deodoro já daria uma grande ajuda. Em muitas regiões há espaço entre o muro das estacões e o trilho. Aliás, todo esse sistema de muros merece uma revitalização. São antissociais e nem calçadas para pedestre possuem, apesar de abrigar pontos de ônibus. Integraria a zona norte à Central do Brasil e os bairros dessa zona entre si, afinal há uma comunicação grande entre eles, especialmente em regiões como Méier, Madureira e Bangu (zona oeste).


2) Ladear a Avenida Brasil com Ciclovias dos dois lados. A via corta a zona norte em outra região e permitiria muita gente chegar também ao Centro da Cidade, passando inclusive pela Rodoviária e poderiam aproveitar a bagunça da perimetral que já estão fazendo para uma ciclovia no local estendendo-se até a praça XV, talvez.

3) Da Central do Brasil até a praça XV(E essa poderia ser esticada até a do Aterro, já que é ali bem próximo e com um trajeto tranquilo em calçadas amplas que poderiam ser divididas, restando ainda espaço para os pedestres e passando pelo aeroporto. Olha que maravilha, já se poderia ir de realengo até o Leblon com uma cilcovia na Brasil e esta. Da central, sugeriria entrar em direção à praça da bandeira, subir o viaduto da av. Chile e pegar a Evaristo da veiga/ Araújo Porto Alegre até a praça XV. Um trajeto que não tem grande movimento comparado às demais vias do Rio de Janeiro e pelo qual se teria acesso à lapa, cinelândia, largo da carioca, e praça XV, aeroporto, integrando metrô, trem e barca, além de ciclovias da zona norte e zona sul. Haveria impacto no trânsito? Com certeza. Especialmente no aumento do uso da bicicleta como meio de transporte.

Haveria uma série de outras sugestões como ligar essa ciclovia da central/praçaXV via cinelândia, ao aterro pela Antonio Carlos (via de pouco movimento no sentido aterro) e Beira Mar (calçada praticamente sem uso) pelo vão do MAM, propiciando até mesmo uma integração cultural - CCBB, Casa França-Brasil, Centro Cultural dos Correios (acessíveis pela praça XV e MAM. Uma ciclovia de Vila Isabel ao Centro também, passando por Tijuca, Estácio e Lapa. Enfim... Se houvesse interesse, a bicicleta seria alternativa de transporte, mas hoje é apenas de lazer e mantém-se os estacionamentos nas ruas, espaços das vias que são incentivo ao automóvel em vez de ciclovias, que seriam incentivo ao trânsito, à bicicleta, à locomoção e à despoluição. As opções governamentais te sido tirar espaço dos pedestres, infelizmente. Tem melhorado? Eu digo que sim. Mas, ainda muito longe de ser convidativa ao uso da bicicleta e amistosa a quem se arrisca em usar.

Conclusão sobre o copenhagize? Ou bem há muita propaganda e pouca experiência de uso para análise ou bem o mundo vai mesmo muito mal no respeito às bicicletas.

OBS: Em Porto Alegre, também pouco amistosa, a ciclovia vai em passos bem lentos, mas pela Av. Ipiranga, R. José do Patrcocínio, 7 de setembro, serão úteis não apenas por lazer e estão sendo feitas nas vias, o que acho bem interessante. Infelizmente vai bem devagar, mas com uma durabilidade maior, que não pode ser apagada simplesmente ao par de alguns anos pelo desaparecimento da tinta sobre a calçada. 


O objetivo dessa crítica não é desmotivar a política de implementação de ciclovias, mas ampliar as discussões e abrir os olhos de quem os tiver fechados para que ela seja de transporte e permanente, alternativa aos carros, não às caminhadas, funcionais e não de lazer. Em resumo, contribuir para a discussão. No Brasil, nenhuma grande cidade é verdadeiramente "bike friendly", ainda.



OBS2: Os links são para matérias d'O Globo porque foram as que apareceram mais facilmente na pesquisa pelo Google.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Que livro? Que desconhecido?

O Livro de Um Desconhecido. De que é composto? O que quer? Do que trata? Como trata? Afinal, o que é? Paulo Sabino fez a apresentação que já postei aqui neste blog juntamente com a capa do livro.

O livro é composto de contos divididos em três partes. Na primeira parte estão: Mitologias Apócrifas, Gênese, Breve História da Humanidade e Fragmentos do Império de Marcus Regulatórius; na segunda: Aniversário de Casamento, Aleluia é sábado, Casa Abandonada, Entre Vizinhos, ônibus 224, Cadeia Alimentar do Século XXI, Lotérica Esperança, As Cartas, O prazer de viajar de avião e Uma noite. Na terceira: Um encontro, O Viajante, A outra história do paraíso, Retalhos, No Convento, O Drama de um homem só e A Rua, fechando o livro.

Após alguns desses contos há também poemas. O Drama de um homem só, Gênese e Breve História da Humanidade são reedições dos contos publicados nos livros de poemas: o primeiro no "O Eu Mais Íntimo" e o segundo no "Pretérito Mais Que Presente".

Mas, a fim de possibilitar outras formas de mergulhar em no livro em vez de apontar-lhe uma estrutura, creio adequado divulgar então o prefácio da obra. A editora ainda me deve a lista das livrarias. Assim que eu as tiver, divulgarei aqui no blog. De qualquer forma, já está disponível no Brasil nas livrarias Saraiva e Siciliano. Em Portugal, é só ver a postagem anterior a esta.



PREFÁCIO

Os temas que mais gosto são o do sofrimento da tristeza e o da miséria; quando os sonhos se batem com o real, quando temos que enfrentar essa realidade que não moldamos, mas moldaram para nós sem nos perguntar e nos damos conta de que tudo em que acreditamos, na verdade não é nada do lado de fora de nós mesmos. Fingimos, pintamos, mentimos o mundo para conseguir encará-lo, ainda que de costas, mesmo que isso seja um paradoxo. Quero desmascarar as pessoas, arrancar-lhes as aparências, as fantasias vãs de personagens vazios, quero mostrar a fraqueza e a covardia do valente, a tristeza do ódio e a angústia e o medo que permeiam as discriminações humanas. Gostaria de conseguir fazer tudo isso e mostrar que há mais gente que se importa com o outro, em incomodar o outro, em impor-lhe seus pensamentos – aqueles que nunca os teve por si – muito mais do que se esforça em descobrir-se, em ser si mesmo.
Quero acabar com esse hábito da gente que, como escrevi num texto deste livro, "se esbarra todos os dias, já se conhece, ao menos de vista, no trajeto diário, quase deixando de ser somente um corpo sem vida, sem história, que passa e não se sabe se existia antes e se continuará a existir depois, se não era unicamente uma alucinação no meio daquela turba e mesmo assim, esses que se encontram todos os dias, não rompem a barreira do isolamento na individualidade; ainda que se perceba percebido pelo outro que talvez tenha o mesmo anseio de contato, não se parte para a ação de conhecer, e quebra o pacto de silêncio cujo medo de ser descoberto é o signatário. É um contrato em que se acorda: “Também tenho medos, recalques, traumas e 'falhas', portanto, não tente ver os meus que eu não me intrometerei nos seus”; “Somos perfeitos bons cidadãos no desconhecimento”. “É melhor deixar assim do que despir os personagens de suas fantasias”. Dessa forma, no acordo de cavalheiros perfeitos semideuses, seguimos adiante nosso rumo, ainda que em círculos, ainda que em círculos cada vez menores."
Quero tirar da boca dos outros aquele argumento de que a vida já é triste demais para a arte também o ser e mostrar-lhes que se a arte mentir, arte ou filosofia, ou o que for, a realidade continuará a ser triste pois não se preocupará em modificar. Quero que vejam como somos torpes, vis e miseráveis tanto quanto o cremos teriam sido os medievais e os "outros" em geral. Quero matar a maturidade, que é a ideia soberba que desmerece, simplesmente pela idade, os argumentos dos outros chamando-os de pueris sem debater com eles. Maturidade que se sente superior, que diz que "um dia você vai compreender", que é mesquinha e foge, se esconde atrás de uma autoridade forjada dos cabelos grisalhos, mas que é puro conservadorismo cômodo de quem não precisa mudar, pois poderia ter algo a perder. Em uma palavra, quero a liberdade. Quero que todos se sintam livres e queiram que todos se sintam livres, assim respeitando os outros.
Mas, de que importa? A quem importa? Esse é apenas mais um livro. Um livro que não possui patrocínio, que não possui contatos, que não possui indicações. As ganas do mercado fizeram com que literatura se transformasse em mera mercadoria como peso de papel. Como publicar um livro? Livro é voz e por isso só alguns têm direito. Os demais, nós, por mais que publiquemos somos presenteados com a indiferença. Como tudo o mais, o livro, a arte em geral e o direito a voz também foram transformados em mera mercadoria, submetidas simplesmente à lei da compra e venda, oferta e demanda, especulação, marketing e nada mais. Um apresentador de TV ou alguma pessoa que tenha influência sobre grande número de pessoas consegue publicar facilmente porque garante o retorno à editora; garante o lucro, pois, independente da qualidade literária o livro será comprado. O mercado editorial não é de divulgação literária, mas apenas mercado que põe em suas prateleiras o que pode ser vendido, ainda que o produto esteja estragado, que a qualidade seja baixa, que o cheiro seja ruim. Se vende, lá estará em lugar de destaque na prateleira. Mas literatura não é um produto, é arte. E disto esqueceram.
Não posso modelar minha obra ou reescrevê-la para que ela se adéque ao merchandising. Não me importa se é do tipo que mais tem vendido no mercado editorial ou se é rentável. Ao mesmo tempo em que esse mercado retira a condição artística da literatura, incutindo o caráter mercadoria ao livro, sequer presta ao autor contrapartida da possibilidade de sobrevivência. Um administrador ruim, tal como um médico ruim ou pedreiro ou vendedor ou advogado ruins, mal ou bem conseguem viver com a profissão que escolheram. Já o que opta pelo ofício de poeta com fim literário e não lucrativo-best seller, duvido que mesmo o melhor viva só de poesia. Talvez nem o escritor de “literatura Best seller”, a qual provavelmente não sobreviverá mais de três anos e certamente não mais de vinte anos, consiga se sustentar por meio dela. Disse já que não se deve ser profissional, mas amador no sentido de escrever por arte, com liberdade de expor, ideias, sentimentos, sonhos e não por comércio. Literatura que se preze não é de modismo, não busca ser vendável, não é historinha. O fim máximo não é lucrativo; é artístico. Se a obra é mercadológica, para mim não serve.
Se eu gostaria de ter dezenas ou centenas de milhares de títulos vendidos? Claro que gostaria! Mas gostaria que gostassem da minha obra como ela é e não vou podá-la, amenizá-la para ser mais atraente ao público ou escrever uma história que não diga nada. Literatura não é mercadoria! Não é um produto feito para ser vendido, moldado ao gosto do cliente. Pelo menos a minha não é. Escrevo para satisfazer uma necessidade de transcrever-me o espírito ao papel e ele não está à venda.
Bem sabemos que na sociedade em que vivemos é mais fácil morrer esmagado por uma máquina de refrigerantes ou atropelado por um elefante na principal avenida de uma cidade grande a ser descoberto, a ter os trabalhos reconhecidos. A tentativa de ser escritor é o mais breve atalho para o fracasso. Somos uma multidão de desconhecidos, de anônimos condenados a serem autômatos. Quem pode pensar? Falar então?! Quanto mais escrever, já que os textos não têm fronteiras, podem ser traduzidos e lidos para si ou para outros, em voz alta, em qualquer parte. Mas, insisto. Escrevo. Independente do valor desta obra e das anteriormente publicadas por mim, esquecidas, empoeiradas nas prateleiras de biblioteca nenhuma, quantas obras literárias, artísticas, quantos pensamentos, quantas filosofias, ideias, trabalhos científicos não se perdem por sermos condenados à mordaça, por não fazermos parte da sociedade que decide quem vai e quem fica, quem fala e quem emudece, o que se conhece e o que se lança ao esquecimento?
E assim padecemos da censura, a censura fingida que nos rouba os meios, que nos ergue muralhas transparentes em frente às oportunidades para fingir que não as alcançamos por não sermos capazes, mas elas estão ali. E é aqui que se encaixa meu livro: O Livro de Um Desconhecido. Um com “U” maiúsculo para dar destaque, para dar ênfase. Encare-se-o como numeral ou artigo indefinido, tanto faz. Desconhecido também com letra maiúscula, pois é substantivo próprio. É na realidade o último sobrenome de todos nós, que ocultam dos registros de nascimento e das carteiras de identidade. Porém, “ainda continuo sonhando”.